CONHECIMENTO (teoria e tipologia do saber) → Método
Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir
a ordem superficial que nos esmaga (Lya Luft)
Do latim cognoscere, que tem como cognatos os verbos noscere, scire, de cujo acusativo participial "scientem" se originou uma família de termos nas línguas modernas européias, com ou sem o "s" inicial: scienza, ciência, científico, ciente, science, scientific, cognição, discente, ignorante, agnóstico, néscio etc., todos relacionados com a faculdade da mente humana de perceber objetos pela inteligência ou pela experiência. Podemos distinguir diferentes tipos de conhecimento:
Empírico, do grego empeirikós, que se serve da "experiência", da prática cotidiana, das sensações que o contato com o mundo exterior estimula em nós: o sentido do calor à aproximação de uma fonte de energia térmica, o medo da escuridão, a satisfação que nos proporcionam a bebida e a comida, o prazer da conjunção carnal etc. Tal conhecimento, que serve principalmente para satisfazer os dois instintos fundamentais, a conservação própria (pela alimentação) e a conservação da espécie (pela cópula), é comum a todos os seres vivos, humanos, animais e vegetais, sendo até hoje característico dos agrupamentos tribais. É preciso, porém, não confundir o conhecimento empírico vulgar, do dia-a-dia, com o Empirismo teórico, um filão da especulação filosófica, estudado no verbete próprio.
Técnico, do grego tecné, que pode ser traduzido por "saber fazer", proporcionado pela "aprendizagem": este tipo de conhecimento já não deriva apenas do instinto, das sensações, da observação ingênua, pois requer a intervenção da razão que estabelece regras de procedimento para a fabricação de objetos ou o exercício de diversas atividades. È o know how, o saber "como" fazer algo e conhecer os meios para a realização de tarefas. Assim, ao longo da sua evolução existencial, o homem aprendeu a técnica da pesca, da caça, do cultivo da terra, da criação de animais, da fabricação de objetos de uso (sapatos, facas), de culto (templos, estátuas de divindades) ou de arte (poemas, pinturas), da cura de doenças, de rituais para o convívio social e o culto religioso. O conhecimento técnico está na base da profissionalização. Nas sociedades modernas, a aprendizagem é indispensável para qualquer atividade humana, para a fabricação de qualquer objeto, quer de uso, quer de arte. Sem técnica não seria possível fazer cinema, construir pontes, realizar um bom jogo de futebol.
Mítico, do grego mithos (→ Mito), histórias fantásticas inventadas para explicar a origem de fenômenos naturais ou de comportamentos humanos, tem como fundamento a "crença", a fé em seres sobrenaturais, que teriam criado o Universo e ditadas as normas do viver em sociedade. O conhecimento mítico, teológico ou religioso em geral, por não ter nenhuma fundamentação lógica ou racional, sustenta-se apenas no princípio da autoridade: a verdade sobre a criação do mundo, a origem e o destino do homem, bem como seu comportamento moral, teria sido revelada por entes superiores a seres privilegiados. A Bíblia (os livros sagrados do Velho e do Novo Testamento) contém o conjunto das doutrinas supostamente reveladas pelo deus do Judaísmo e do Cristianismo a profetas, apóstolos e evangelistas. Da mesma forma, outros sistemas religiosos (Budismo, Islamismo etc.) exigem o ato de fé: a pressuposição da intervenção sobrenatural na criação do mundo (Cosmologia) e no regimento da vida em sociedade (Ética). É uma verdade indiscutível que o sentimento religioso é conatural ao ser humano, pois não existe nenhuma sociedade, primitiva ou civilizada, que não acredite em seres sobrenaturais ou que não pratique alguma forma de culto. E isso porque homem nenhum, em lugar e tempo algum, se conforma com o absurdo da morte, sonhando com a continuação da vida num além e imaginando a alma como uma entidade imortal, porque espiritual, podendo viver separada do corpo perecível. Outro motivo da crença na divindade é a impotência do indivíduo em resolver seus problemas existenciais: a doença, a fome, a maldade, a injustiça, a dor fomentam o desejo da existência de outro mundo, onde seria feita justiça, os bons sendo premiados e os maus punidos. Toda religião é uma utopia salutar, porque o homem não conseguiria suportar a angústia da existência, se não acreditasse na possibilidade de uma vida melhor após a morte. Portanto, qualquer sentimento religioso, de indivíduos ou de grupos étnicos, deve ser respeitado, devendo a liberdade de culto ser uma norma inviolável, praticada por todos os povos. Mas, infelizmente, não é assim: ao longo da história, sangrentas lutas religiosas envergonharam e continuam envergonhando até povos considerados civilizados. É preciso aceitar o fato incontestável de que não existe nenhuma religião "ortodoxa", quer dizer verdadeira, em sentido absoluto, porque toda religião é válida apenas para quem acredita nela. Lutar para suplantar um credo por outro é um ato de insânia, uma ofensa contra a inteligência humana. O fanatismo religioso, na sua forma mais extrema, induz o fiel a matar ou a matar-se em nome de Deus que, por suposto, é o criador da vida! → Religião.
Filosófico, do grego philos (amigo) e sophia (sabedoria). Por este tipo de conhecimento, o homem tenta suplantar o princípio da autoridade, sustentáculo próprio do saber teológico, pela "razão" ou pensamento reflexivo. Filósofo, portanto, é quem procura respostas para os interrogativos fundamentais da existência, não por meio da crença numa revelação transcendental, mas mediante o raciocínio lógico. De onde se originou o cosmos? Existe outra vida após a morte? Matéria e espírito são inseparáveis? Além da aparência existe uma essência das coisas? O que é a consciência, a razão, a verdade? Qual é o fundamento do sentimento ético? A felicidade reside no exercício do livre arbítrio, satisfazendo os instintos individuais, ou na observância dos preceitos sociais? Para responder a essas e outras perguntas existenciais, o homem exercitou sua inteligência em várias áreas do saber filosófico: a Cosmologia, que formula hipóteses para explicar a origem do universo; a Lógica, que estuda as regras do raciocínio correto para se chegar a qualquer tipo de conhecimento verdadeiro; a Ética, que analisa os conceitos do bem e do mal, do certo e do errado, as normas morais do comportamento humano; a Estética, que investiga a essência do belo e suas relações com o útil; a Epistemologia ou Teoria do Conhecimento, que tem como objeto de pesquisa a natureza da verdade, a confiabilidade do saber, o método correto de investigação. Através dos tempos, vários pensadores criaram sistemas filosóficos globalizantes, na tentativa de responder de forma coerente a todas essas indagações. Os dois sistemas mais importantes, que constituíram a espinha dorsal do saber filosófico, são o Idealiasmo e o Materialismo, que tiveram suas origens respectivamente no pensamento de Platão e Aristóteles.
Científico, do étimo latino scientia, num sentido amplo, a palavra ciência diz respeito a qualquer tipo de saber: por isso falamos de ciências físicas, sociais, humanas etc. Na época greco-romana não havia uma distinção clara entre as várias atividades do espírito: era chamado de "sábio", o homem culto, aquele que sabia das coisas. Aristóteles, por exemplo, além de filósofo, escreveu obras sobre poética, estética, ética, política, retórica, física, astronomia, zoologia. Até à Renascença, era comum encontrar homens com um saber enciclopédico. Exemplo luminoso foi o italiano Leonardo da Vinci que, além do imortal pintor do quadro Mona Lisa, foi também poeta, arquiteto, escultor, cartógrafo, geólogo, físico, tendo inventado maquinárias que o tornaram precursor da aviação, da hidráulica, da óptica, da acústica. Mas, num sentido estrito, o termo científico relaciona-se apenas com o estudo da natureza física, visando a compreensão de seus fenômenos, classificando as espécies humanas, animais, vegetais e minerais, formulando leis e dominando os elementos naturais, sempre em benefício do homem. A característica principal do conhecimento científico é o método rigoroso de investigação, servindo-se da "observação" e da sucessiva "experimentação", suplantando assim quer o princípio da autoridade, próprio do saber religioso, que o pensamento abstrato peculiar da pesquisa filosófica. Sua finalidade é a busca da distinção entre o verdadeiro e o falso por meio de uma demonstração irrefutável, pois objetivamente documentada. Uma vez observada a ocorrência de um fenômeno, observa-se a freqüência de sua repetição, faz-se uma rigorosa experimentação e só então se formula uma lei que não admite contestação. Assim, são absolutamente verdadeiros alguns princípios da matemática (a soma é maior do que suas partes), da estatística (o número dos homens casados é exatamente igual ao número das mulheres casadas), da geometria (um quadrilátero conserva seus lados sempre iguais, embora possa aumentar de tamanho), da física (pela lei da gravidade, o magnetismo terrestre atrai os corpos sempre para baixo) etc. Credulidade e raciocínio são superados pelo experimento!
Artístico: a Arte é uma forma de conhecimento da realidade, assim como a Filosofia e todas as Ciências. Admirar um templo ou um quadro, ler um poema ou um romance, assistir a um filme ou a uma peça teatral, ouvir uma sinfonia ou uma canção, tudo isso importa em captar uma parcela de sentido do mundo, que cada obra de arte tem dentro de si. Alcançar um saber é a finalidade primordial de qualquer atividade humana. O que diferencia a aprendizagem científica da artística é apenas o meio utilizado: enquanto os vários tipos de conhecimento científico (matemático, físico, químico, biológico etc.) se servem da observação e da comprovação, as várias formas de arte (literatura, pintura, cinema, teatro etc.) têm como meio de expressão a fantasia, a imaginação. O que irmana todas as artes é o recurso à ficção. "Ficcional", cognato de fictício, pode significar inexistente, falso, mentiroso, além de imaginário, fantasioso. A arte seria, portanto, uma bela mentira, tanto que Fernando Pessoa, usando a figura do paradoxo, peculiar de seu estilo, chama o poeta de "fingidor", no poema "Autopsicografia" de seu Cancioneiro. Eis a estrofe, que se tornou famosa:
"O POETA é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente"
Só que o conhecimento artístico é falso apenas no plano histórico ou da realidade física: Capitu, a imortal personagem do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, não é um ser existente no plano da realidade material, porque não nasceu da união carnal de um homem e de uma mulher, mas é apenas fruto da fantasia, da inteligência criadora de seu autor. E por ser uma entidade espiritual, ela tornou-se imortal, não estando sujeita às leis do tempo e do espaço. Morreu o autor, mas não sua criatura artística. Mas o fato de não ser real não quer dizer que a personagem de ficção não seja verdadeira. Muito pelo contrário: a figura de Capitu é mais autêntica do que qualquer mulher do mundo da realidade. Explicamos: o ser humano, em carne e ossos, é vítima das normas sociais e dos preconceitos morais. Pelo sentimento do pudor ou por medo de sofrer sanções, a gente acaba ocultando as idéias e os desejos mais recônditos, que contrariam as convenções ético-sociais. Recorremos, portanto, ao uso da máscara psicológica de seres bem comportados, integrados no convívio social, vivendo de uma forma hipócrita, sem nunca manifestar nossas aspirações mais secretas, que são muitas vezes inconfessáveis. Isso não acontece com o ser ficcional que, por ser apenas fruto da fantasia, não está sujeito a apreensões ou ao medo de sofrer penalidades. Tal liberdade faz com que as criações artísticas possam exprimir as verdades mais profundas do ser humano, atingindo o universal, o eterno, o absoluto. Segundo a bela expressão do escritor Franz Kafka, "a Literatura é sempre uma expedição à verdade". Outra peculiaridade do conhecimento artístico é sua polissemia, a possibilidade de captar múltiplos sentidos ao mesmo tempo ou em espaços e épocas diferentes. Enquanto a verdade científica é unívoca ou monológica, visto que, uma vez descoberto e comprovado o princípio ou a lei, não se admite mais discussão, pois o fato é ou não é, o conhecimento artístico está centrado no dialogismo, na polifonia, na ambigüidade, podendo atingir a própria contradição: algo pode ser e não ser ao mesmo tempo, dependendo da perspectiva, do ponto de vista do leitor ou do espectador. A obra de arte nunca encerra um único sentido, sendo possíveis várias e diferentes interpretações. Dependendo do grau de cultura e de sensibilidade de quem o admira, o objeto de arte adquire sentidos sempre renovados. A compreensão das formas e dos conteúdos de uma obra de arte literária ou plástica é inesgotável. Isso explica por que, séculos após séculos, ainda admiramos estátuas gregas, ainda representamos tragédias de Shakespeare, ainda nos encantamos com versos do poeta latino Catulo, ainda discutimos sobre a traição de Capitu e a verdadeira paternidade de seu filho. A história ficcional é ambígua porque na arte não importa a resposta, mas o questionamento, não a verdade factual, mas a verossimilhança psicológica. Isso porque o ser artístico transcende o padrão individual, buscando alcançar um protótipo universal. Os poemas de Homero para os habitantes da Grécia antiga, assim como as passagens bíblicas para os hebreus, tinham o papel fundamental de ensinar os homens a viver em sociedade. Ainda hoje, apesar do relaxamento do hábito da leitura (provocado, em grande parte, pelo progresso da televisão, do cinema e da informática), trechos poéticos de Dante, de Shakespeare, de Fernando Pessoa, de Camões, de Machado de Assis, de Carlos Drummond de Andrade continuam exercendo a função de lições de vida. Vida nossa que é uma contínua aprendizagem: "se sabemos exatamente o que fazer, então para que fazer?", se perguntava o grande gênio da pintura moderna, Pablo Picasso".
Enfim, qualquer tipo de saber, seja ele empírico, técnico, filosófico, científico ou artístico, para ser realmente eficaz e produtivo, deve seguir o mesmo processo: a informação inicial tem que ser trabalhada para levar ao conhecimento por dentro, que produz a sabedoria, que induz a uma ação adequada. Segundo Leonardo da Vinci, o começo do saber está no coração e não na mente: "todo nosso conhecimento tem princípio nos sentimentos".