MÉTODO (indução e dedução) → Sócrates → Descartes → Popper → Crítica
Do grego méthodus, a palavra significa "o caminho" a percorrer para alcançar objetivos específicos. A metodologia, portanto, tem muito a ver com a Teoria do Conhecimento, que os gregos chamavam Epistemologia, de epistéme (ciência), o estudo crítico, o fundamento lógico dos princípios que deviam regular as atividades das várias ciências. Evidentemente, a escolha do caminho para atingir a verdade implica a utilização de meios adequados para cada tipo de conhecimento. Não existe um único método de pesquisa científica, pois ele varia conforme o assunto e a finalidade. Entre a multiplicidade dos métodos possíveis, porém, é fundamental podermos distinguir e relevar elementos comuns a todos eles, sob pena de negarmos a própria possibilidade da metodologia como disciplina curricular. Podem ser considerados como base estrutural de qualquer método a postura intelectual, a seriedade da investigação, a busca da documentação, o rigor da análise, o hábito da reflexão, a honestidade intelectual, o desejo de contribuir para o progresso civilizacional. Pesquisar com método não é copiar, apenas transcrever o que outros disseram sobre determinado assunto, mas cultivar o espírito crítico, amadurecer por dentro, ter originalidade, oferecer sua visão da realidade. O conhecimento dos resultados obtidos por pesquisas anteriores deve servir como base para avançar na busca de novas experiências. Eis os sábios que mais contribuíram para a ciência metodológica:
Pitágoras de Samos (572?-510?), um dos maiores pensadores pré-socráticos, foi o primeiro filósofo-cientista a preocupar-se com o problema do método para o conhecimento da realidade. Infelizmente, dele e sobre ele sabemos muito pouco e indiretamente. Foi o cientista Euclides, no século III a.C., a dar aspecto formal a vários teoremas escritos pelos discípulos e seguidores de Pitágoras, entre os quais os mais conhecidos são o quadrado da hipotenusa e a escala numérica. O "pitagorismo" tornou-se um movimento que misturava religião e ciência. Por uma doutrina esotérica, hermética, pois compreensível apenas por círculo de iniciados, acreditava-se na "metempsicose", a transmigração da alma por meio de corpos diferentes, bem como na purificação do espírito por meio do conhecimento. A idéia central da teoria pitagórica está na concepção da realidade como essência matemática. O mundo não pode ser conhecido por meio dos sentidos, que são enganadores, mas por um padrão racional com base nos números, nas proposições e nas formas geométricas. O número, à medida que quantifica, é o princípio da ordem e da harmonia. O método da aprendizagem filosófica e científica idealizado por Pitágoras é, portanto, essencialmente numérico ou quantitativo, pois, segundo ele, a tessitura profunda do universo é formada por acordes. A "matematização", por considerar a realidade como algo absolutamente objetivo, comensurável, evita o dissenso e a controvérsia. Sócrates, diferentemente da maioria dos "sofistas", os artistas da palavra que ensinavam retórica e filosofia com fins lucrativos e por meio de silogismos, raciocínios formalmente corretos, mas enganosos e vazios de conteúdo, assumiu a profissão de pedagogo como uma missão de vida. O método socrático de ensino desenvolvia-se em duas etapas: ironia e maiêutica. A primeira fase consiste numa espécie de terraplenagem, a limpeza geral do terreno, libertando o espírito de toda forma de preconceito, de superstição, de soberba intelectual, levando os discípulos a perceberem sua ignorância por meio da instilação da dúvida metódica. A palavra grega eiróneia literalmente significa "interrogação": pela técnica do diálogo, o filósofo grego levava o interlocutor a perceber sua ignorância sobre o assunto em questão, desmascarando sua presunção. Evidencia-se, assim, que o conhecimento proveniente da "doxa", da opinião comum ou do mundo das aparências, pode não ter consistência lógica, induzindo muitas vezes ao engano. A fase "irônica" leva à agnósia, à consciência da ignorância: "só sei que nada sei". Sócrates, por tal achado paradoxal, foi considerado o homem mais sábio da Grécia, conforme teria revelado o oráculo do deus Apolo no templo da ilha de Delfos. A segunda fase do método socrático já é positiva: maieutikós, para os gregos, era a técnica de fazer vir à luz. Sócrates costumava dizer que sua profissão era semelhante à de sua mãe, que era parteira. Como ela ajudava com suas mãos a partejar um ser humano, ele, com sua mente, por meio do processo dialético de perguntas e respostas, induzia seus interlocutores a descobrirem a verdade que estava dentro deles. Conforme o postulado da "reminiscência", que será mais bem desenvolvido pelo seu discípulo Platão na Teoria das Idéias, o conhecimento verdadeiro, que é o conceptual, está dentro do espírito humano que consegue captar o universal, e não nas realidades particulares do mundo exterior, que são efêmera e enganosas. Da agnósia da primeira fase passamos, portanto, para a "autognose" do segundo momento do método: "conhece-te a ti mesmo", a famosa frase atribuída à pitonisa de Delfos como resposta à indagação sobre a essência da sabedoria, passa a ser o melhor legado que Sócrates nos deixou, pois sua dialética funciona como instrumento de reflexão sobre os problemas da existência humana. Ele nos ensinou que a sabedoria tem dúvidas, enquanto a ignorância tem certezas! Platão foi o mais famoso discípulo de Sócrates. De família aristocrática e de muita influência política na cidade de Atenas, começou a refletir sobre as falhas de um sistema de organização social que, apesar de democrático, tinha condenado a uma morte injusta o mais sábio dos homens. Em sua escola de cultura filosófica e política, chamada Academia por utilizar um ginásio de esportes, Platão foi expondo a doutrina do seu mestre, que imortalizou em seus "Diálogos", cujo personagem principal é, quase sempre, o próprio Sócrates. Mas, aos poucos, foi superando o pensamento do mestre, apresentando um sistema filosófico mais completo, centrado na Teoria das Idéias. Ele parte do postulado de que o mundo da realidade sensível tem corno causa explicativa a existência de uma realidade transcendental, constituída pelas "Idéias", essências puras e absolutas, independentes dos objetos materiais e do intelecto humano. Assim, cada classe de realidades do mundo exterior (árvores, animais, cadeiras etc.) teria como paradigma uma idéia transcendental. Os objetos materiais seriam apenas fantásmata, imagens, cópias imperfeitas e transitórias das idéias invisíveis e eternas. Para tornar possível o conhecimento do mundo das idéias, Platão admitiu outra hipótese, a da reminiscência: a alma humana, imortal e preexistente ao nascimento do corpo, teria contemplado as idéias antes de juntar-se ao corpo, considerado a prisão do espírito. Conhecer, portanto, é recordar o que a alma já sabia antes da incorporação. Metaforicamente, Platão tenta explicar as várias fases do conhecimento humano por meio da alegoria da caverna: o homem que sai das trevas de um antro subterrâneo e passa por diversos graus de sombra e luz até chegar a olhar diretamente o Sol, representa o caminho do saber que vai do conhecimento do mundo físico até o universo das idéias: da doxa, conhecimento da esfera sensível, da opinião comum do mundo das aparências, por meio da diánoia, o pensamento reflexivo, chega-se à nôesis, a evidência intelectual, a contemplação das idéias puras e absolutas. Do ponto de vista psicológico, a alegoria da caverna e a doutrina da reminiscência poderiam ser entendidas como uma tentativa de explicação metafísica para a constatação natural de que nada se aprende pela primeira vez. A expressão "saber é recordar" evidencia uma profunda verdade existencial, pois todo o conhecimento duradouro e frutífero só se obtém pelo amadurecimento no espírito. A experiência que nos vem do mundo exterior é armazenada em nossa mente e, aos poucos e inconscientemente, é burilada pela atividade intelectual ininterrupta de nossa mente, até tornar-se sangue de nosso sangue, adquirindo feições peculiares, de acordo com o tipo de personalidade de cada ser humano. Assim, depois de um longo processo de interiorização, o conhecimento está pronto para vir à luz, para ser transmitido aos outros. Aí entra o papel do pedagogo, do professor, do orientador: ajudar os discípulos, primeiro, a armazenar conhecimento e, em seguida, a encontrar os meios adequados para que os conceitos adquiridos possam ser exteriorizados de modo correto e inteligível. Portanto, o método dialógico de ensino e de aprendizagem, idealizado e praticado por Sócrates e aperfeiçoado por Platão, em seu dúplice aspecto da ironia e da maiêutica, não é uma peça de museu intelectual: pode ser utilizado ainda hoje e com bons resultados, se adaptado a nossa realidade. Sua maior virtude é o estímulo para a formação do hábito da reflexão, insuflando a dúvida sobre a verdade de nosso saber com o fim de podermos superar os automatismos mentais, o primeiro passo para o conhecimento científico. Aristóteles, discordando do seu mestre Platão, pende para o Positivismo. Ele nega qualquer tipo de pressuposto, dogma, hipótese, raciocínio a priori, não admitindo nada que não possa ser observado empiricamente. Para Aristóteles, a mente humana é como uma "tábua rasa", um papel em branco, onde serão impressas as sensações provenientes do mundo exterior. As idéias das coisas estão na própria realidade e são percebidas através da faculdade da abstração, que separa o geral do particular: a idéia de árvore é apenas um produto mental resultante da operação intelectual de separar o que é particular de cada árvore (cor das folhas e tipologia de ramificação) do que é comum a todas elas (raízes, troncos, ramos, cor). O método de aprendizagem e de ensino de Sócrates e de Platão pode ser considerado "dedutivo" por estar baseado em alguns postulados admitidos aprioristicamente, sem nenhum fundamento lógico ou científico: a existência de um mundo transcendental, onde estariam as Idéias ou Formas absolutas dos objetos materiais; a separação entre a alma {considerada imortal} e o corpo perecível, porque composto de partes que o tempo desagregará; a metempsicose, crença na transmigração de uma alma por vários corpos em diferentes gerações. Aristóteles, diferentemente, utiliza o método indutivo, pois se serve do caminho inverso, indo da análise dos elementos particulares para chegar à formulação de princípios ou idéias gerais. Mas é preciso ressalvar que a distinção entre os dois métodos — o indutivo e o dedutivo —, é puramente teórica, porque na prática da pesquisa científica, filosófica ou artística, os dois processos andam juntos. Usando a bela imagem do lingüista Saussure para explicar os dois aspectos do signo — o significante e o significado — indução e dedução são como as duas faces da mesma folha de papel: realidades distintas, mas inseparáveis. De fato foi, de um lado, a observação de que o mundo exterior e material, o das aparências, nos leva a enganos, e, de outro lado, a constatação de que o homem, apesar de sua precariedade, é capaz de criar obras imortais, que induziram Platão a formular a premissa categórica da existência de outra realidade, transcendental, onde os valores humanos da Verdade, da Beleza, da Justiça etc. pudessem sobreviver em formas absolutas e eternas, além da realidade sensível.
Na Idade Média (→ Medievalismo), a cultura eclesiástica utilizou muito o método aristotélico, fundamentado sobre o silogismo, uma argumentação estritamente lógica pela qual, por meio de duas proposições, uma maior e outra menor, chamadas "premissas", se chega a uma dedução formal incontestável, denominada "conclusão:"
"Todos os homens são mortais. (premissa maior)
Eu sou homem. (premissa menor)
Logo, eu sou mortal" (conclusão)
Evidentemente, a verdade da conclusão está diretamente relacionada com a verdade das premissas. Muitas vezes, porém, o argumento silogístico medieval, como o discurso sofístico dos filósofos pré-socráticos, era capcioso e podia induzir a enganos. Assim, por exemplo, a premissa maior de que todos os homens são animais, pode levar à conclusão de que João é um animal. Mais profícuo era o método dialético, de herança platônica, que utilizava a técnica do diálogo, da discussão (disputatio), desenvolvendo processos mentais sob o signo da oposição: toda "tese" admitia uma "antítese" que levava a uma "síntese"; esta, por sua vez, podia constituir-se numa nova tese, que dava início a outro processo dialético. A partir do século XI, com o surgimento das primeiras universidades na Europa, voltadas primordialmente para o ensino da Filosofia e da Teologia, começou a carreira acadêmica que exigia a defesa de teses, como existe até hoje.
Mas foi no Renascimento que teve início a formulação do verdadeiro método científico de investigação, que se aperfeiçoou gradativamente pelo estímulo da Revolução Comercial e Industrial, provocadas pelas Grandes Navegações, que levaram ao descobrimento do caminho marítimo para a Índia, do continente americano e de vários arquipélagos, deslocando o eixo do comércio do mar Mediterrâneo para o oceano Atlântico. Foi a época das invenções de importantes ferramentas, como a bússola, a cartografia, a tipografia, a máquina a vapor, a pólvora. Ampliou-se o horizonte do universo até então conhecido, estimulando o comércio pela troca de mercadorias, a atividade industrial e a própria pesquisa científica. Os que mais se preocuparam com a questão do método foram: René Descartes, pai do Racionalismo gnosiológico e um dos inventores do método moderno de investigação científica. Ele formulou a famosa dúvida metódica: "duvido, logo existo", que retoma a afirmação aristotélica de que "a dúvida é o início da sabedoria". Sua obra mais famosa é Discours de la méthode pour bien conduire la raison et chercher la verité dans les sciences (Discurso sobre o método para bem conduzir a razão e buscar a verdade nas ciências), mundialmente conhecido com o nome abreviado de "Discurso sobre o Método". Sintetizamos o que achamos mais importante nas seis partes em que a obra está dividida:
Na Iª parte, Descartes afirma que as ciências e as artes não se preocupavam com a função essencial da inteligência que é distinguir o verdadeiro do falso; apenas a Matemática, pelo rigor de seu método, apresentava certezas absolutas, mas que não eram aplicadas à investigação da realidade. Na IIª parte, são apresentadas quatro normas fundamentais do método cartesiano: (a) estabelecer a dúvida metódica, não aceitando nada sem ter certeza absoluta; (b) usar o processo analítico para dividir qualquer problema em seus elementos mínimos; (c) agrupar os conhecimentos elementares obtidos em organismos complexos, efetuando assim a síntese; (d) estabelecer as relações entre as várias verdades particulares descobertas, chegando assim a uma comprovação da tese ou da teoria em questão. A IIIª parte é dedicada à formulação de uma "moral provisória": enquanto não se alcançar a verdade absoluta, é preciso obedecer às normas sociais existentes e conviver com as opiniões mais moderadas. A IVª parte é a mais importante, pois é aí que está exposta a essência do método proposto por Descartes: podemos duvidar de tudo, mas não do fato de duvidar, sendo a existência do pensamento a primeira certeza inata, pois imanente ao próprio ser humano. Na Vª parte, Descartes tenta aplicar seu método a pesquisas de física, especialmente à explicação da circulação do sangue, considerando o corpo humano, em seu funcionamento, semelhante a qualquer outro organismo. Na VIª parte, enfim, o filósofo francês explica por que não publicou antes alguns de seus trabalhos: o medo de provocar escândalos e sofrer penalidades, como aconteceu com o cientista italiano Galileo Galilei (→ Galileu).
Como podemos verificar pelo resumo apresentado, Descartes retoma alguns pontos da investigação filosófico-científica já tratados pelos gregos: a tentativa pitagórica de "matematizar" o conhecimento e a realidade; a dúvida metódica implícita na ironia socrática; a existência de idéias inatas do idealismo platônico. Mas sua metodologia do trabalho intelectual é profundamente revolucionária com relação a seu passado próximo, à herança cultural de mais de um milênio de Idade Média, marcada pela crendice e pelo autoritarismo intelectual. O filósofo francês contesta bravamente qualquer forma de dogmatismo: acima do princípio da autoridade, quer religiosa quer laica, ele eleva o altar da razão: nada pode ser aceito cega e automaticamente; para tudo, inclusive para admitir a existência de Deus, exige-se uma explicação lógica. O caminho proposto foi o de recusar toda a crença sustentada apenas em escritos ou palavras, aceitando-se como verdadeiro somente aquilo sobre o qual não existisse dúvida. O adjetivo "cartesiano" passou a ser sinônimo de clareza, distinção, raciocínio incontestável. O Racionalismo de Descartes tornou-se o fundamento intelectual da cultura européia do Seiscentos e Setecentos, desaguando nos movimentos do Iluminismo e da Enciclopédia e fornecendo a base teórica do Idealismo alemão.
Francis Bacon (1561–1626), filósofo inglês, contemporâneo do francês Descartes, é o outro pilar da grande revolução operada no campo do pensamento reflexivo e da pesquisa científica, fornecendo os fundamentos epistemológicos para uma nova teoria do conhecimento. Ele tem em comum com Descartes a luta contra o dogmatismo mental, ainda herança da cosmovisão medieval, propondo o livre exame da realidade física e psíquica em busca da verdade, sem as amarras de qualquer forma de preconceito, utilizando métodos de investigação objetivos que pudessem levar a resultados indiscutíveis, universalmente aceitos pela comunidade intelectual. A diferença está na não-aceitação das "idéias inatas": Bacon, retomando o princípio aristotélico da "abstração", afirma que as idéias se originam da experiência sensível, "nada havendo no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos". A mente humana é uma "tábua rasa" sobre a qual se imprimem os conceitos produzidos pelas sensações provenientes do mundo exterior. Se Descartes é o pai do Racionalismo gnoseológico, Bacon é o fundador do Empirismo científico, pelo qual a experiência sensível é a única fonte do conhecimento. Sua obra fundamental é o Novum organum (Novo órgão ou elementos de interpretação da natureza), publicado em 1620, como primeira parte de um trabalho maior: Instauratio magna (A grande restauração), que não foi levado ao término. Organon é o nome de uma obra de Aristóteles sobre Lógica, a ciência do pensamento enquanto indaga sobre a verdade. O texto baconiano consta de um prefácio e de dois livros. Na introdução, o filósofo inglês critica tanto os dogmáticos quanto os cépticos, pois, para ele, é possível chegar a conhecimentos verdadeiros desde que se use um novo método de pesquisa, adequado à realidade objetiva. O ponto de partida é libertar-se dos preconceitos, que ele denomina "ídolos", os quais dificultam a visão correta das leis da natureza. Na primeira parte, ele expõe as quatro causas da estagnação filosófica e científica, que impedem o conhecimento da verdade e o progresso da ciência: (1) idola tribus, os enganos inerentes à própria espécie humana, composta de seres imperfeitos e contingentes; (2) idola specus, o engano do espelho, retomando a imagem da alegoria da caverna de Platão, próprio do ser individual que se deixa levar pelas aparências das coisas; (3) idola fori, o engano da linguagem, pelo uso da forma silogística e dos costumes sociais que não correspondem à verdade existencial; (4) idola theatri, o engano da fantasia, da imaginação, das escolas filosóficas e teológicas, da autoridade dos antigos. A lição mais profunda que se pode aprender da leitura do primeiro livro é que é preciso descobrir, estudar e seguir as leis imutáveis da realidade:
No segundo livro do Novum organum, Bacon apresenta o funcionamento do novo método de pesquisa, baseado na Indução: é preciso reunir todos os fatos nos quais um fenômeno se apresenta numa "tábua" ou "mesa de presença" e todos os fatos nos quais o fenômeno não aparece em outra mesa, "a tábua da ausência", pelo critério analítico da eliminação. Numa terceira mesa, na "tábua dos graus", são catalogadas as variações de intensidade dos fenômenos. Tal procedimento analítico nos dá um resultado apenas provisório, que deve ser submetido à experimentação, porque novos fatos podem induzir a conclusões diferentes. Em síntese, o método da pesquisa científica, baseado na indução experimental, assim como formalizado por Bacon, apresenta as seguintes fases:1.observação do fenômeno; 2. análise de seus elementos constitutivos, estabelecendo relações quantitativas e qualitativas entre eles; 3. indução de hipóteses; 4. verificação das hipóteses por meio do experimento; 5. generalização do resultado formulando uma lei, se as hipóteses forem confirmadas.
Bacon expõe os princípios teóricos do método indutivo ou analítico, centrado na observação seguida da comprovação, largamente utilizado, na prática, pelos melhores cientistas de sua época: , Copérnico, Leonardo da Vinci, Newton. Deste último, já se tornou lendário o procedimento que o levou ao descobrimento da lei da gravitação universal e da atração terrestre: narra-se que, observando a queda do fruto da macieira, Newton teria se perguntado por que a maçã cai em lugar de subir ou ficar parada no espaço. Realizou, em seguida, uma série de experiências, jogando objetos de diferentes pesos de várias alturas, chegando à confirmação da tese de que os corpos físicos mais densos caíam mais rapidamente ao solo por vencerem com maior facilidade o atrito do ar atmosférico. O método baconiano tornou-se universal e absoluto em sua aplicação nas ciências naturais, indicando o caminho da verdade: a indução passou a suplantar o silogismo, o raciocínio substituiu a crença, a experimentação afugentou o princípio da autoridade divina ou humana. Este é o aspecto mais profícuo do Renascimento, que consagra a passagem da Era Medieval para a Idade Moderna. Apesar da oposição sistemática da Igreja Católica, absurdamente fechada em seu dogmatismo tradicional e cega a qualquer nova descoberta da ciência, o método de pesquisa, idealizado por Descartes, formalizado por Bacon e praticado pelos estudiosos das ciências exatas e biológicas, avançou ao longo de mais de dois séculos, chegando ao apogeu na segunda metade do século passado com o Determinismo , aspectos particulares do movimento geral do Materialismo, cuja missão principal era a luta contra o clericalismo retrógrado, propondo uma cultura laica, completamente desvinculada de qualquer forma de religiosidade.
Mas o triunfo do cientificismo não teve vida longa. A crença de que a ciência, descobrindo as causas dos fenômenos naturais, os fatores genéticos e as condições econômicas, pudesse resolver todos os problemas existenciais não deixou de ser apenas um "mito" a mais. A Revolução Industrial teve conseqüências desastrosas: além do aumento dos bolsões de miséria nas cidades, pelo êxodo do campo, foi uma das causas da Primeira Guerra Mundial, que assolou a Europa de 1915 a 1918 (→ Marte). O progresso científico não impediu outras catástrofes causadas pela estupidez humana, tais como a Segunda Guerra Mundial, a explosão da bomba atômica no Japão, a guerra do Vietnã, as lutas religiosas na Irlanda do Norte e no Oriente Médio, o genocídio dos judeus por Hitler, a miséria absoluta em que vivem países subdesenvolvidos da África, da Ásia, da América Latina.
A crise das ciências exatas, que se achavam detentoras da certeza e da verdade, foi conseqüência de várias tendências do pensamento reflexivo do início de nosso século: o Intuicionismo, de Bergson; o Existencialismo, de Kierkgaard, Heidegger e Sartre; a Psicanálise, de Freud e Jung; a teoria da Relatividade, de Einstein; a Fenomenologia, de Husserl; o Comunismo, de Marx e de Lênin; o avanço da Psicologia (→ Psiquê); a percepção da totalidade da vida pela teoria gestáltica; a superação do conceito de personalidade única, da univocidade da verdade e do absolutismo da certeza, expressa artisticamente especialmente pela poesia heterônima de Fernando Pessoa e pelo metateatro de Pirandello, em que a personagem de ficção, à semelhança da pessoa do mundo real, é apresentada como um ser plurifacetado, sem coerência de caráter.
Todo esse complexo ideológico põe em crise o método de investigação científica que já se tornara tradicional. Em primeiro lugar, nega-se a validade de um método único para qualquer tipo de pesquisa, admitindo-se uma primeira grande divisão entre o sistema epistemológico das ciências exatas e biológicas, com relação à metodologia aplicável ao estudo das ciências humanas. Para o primeiro tipo de conhecimento, o chamado método "científico" no sentido estrito, com base na indução com seus dois momentos da observação e da comprovação, é muito eficiente; mas, para o conhecimento das humanidades (Filosofia, Literatura, Arte, Teatro, Cinema, Psicologia, Sociologia, Direito), funciona melhor o método dialético, mais apto a apresentar a discussão das idéias, a análise de sentimentos opostos, o questionamento das convenções ético-sociais. O modelo matemático é, por sua própria natureza, demonstrativo, monológico, indiscutível, transitório, tendo como caráter peculiar a clareza, a certeza, a imutabilidade; já o modelo da linguagem natural, que dá forma às artes, à sociologia, à jurisprudência, não tem uma cadeia de razões indefectíveis, vivendo um contínuo processo de disputa, estando as idéias sempre em litígio. Se a verdade científica é unívoca e a verdade humana é poliédrica, nada mais justo que haja uma diferenciação metodológica para o conhecimento desses dois macrocosmos.
Ultimamente, porém, a própria certeza do modelo matemático do saber entrou em crise, visto que se passou a duvidar também sobre o valor absoluto do conhecimento científico, visto que é preciso refletir sobre o fato de que o discurso científico não pode ser inteiramente separado do discurso político, social, ético, artístico, pois o homem que faz ciência não pode alienar-se dos valores da comunidade onde vive. O último grande estudioso da metodologia científica, Karl Raymond Popper, ao romper com o positivismo lógico da escola de Viena, afirma que o estudo da Cosmologia não pode ser dissociado do problema fundamental do homem: entender o mundo em que vivemos implica o conhecimento de nós mesmos e de nossos vizinhos! A conclusão a que podemos chegar, após essa breve exposição do pensamento dos principais estudiosos da Teoria do Conhecimento, não deixa de ser uma corroboração do óbvio: não existe um método único aplicável a qualquer tipo de pesquisa. Além do discurso das ciências, há o discurso das artes, da filosofia, da crítica etc., cada qual exigindo um caminho próprio a ser percorrido. Mas existe também algo em comum que deve amalgamar todas essas linguagens, distinguindo a atividade verdadeiramente intelectual do charlatanismo: a seriedade da pesquisa, a busca da verdade, a honestidade profissional, a coerência metodológica, a indignação (perante a mentira, a injustiça, a tirania), o estímulo à reflexão sobre a vida na natureza e em sociedade, com a intenção de melhorar o convívio entre os homens. Como afirma Einstein,