CULTURA (Educação, Cidadania, Sociedade) → ConhecimentoTrabalho

"Se seus projetos são para um ano, semeie o grão;
se são para dez anos, plante a árvore;
se são para toda vida, eduque o povo"
(Provérbio oriental)

O sábio grego Sócrates dizia: "é preciso bem conhecer para bem agir". O conhecimento é fundamental para o progresso social. A "informação" tem que levar ao "conhecimento", este à "sabedoria", terminando na "ação" adequada. De um modo geral, o termo "cultura" indica um conjunto de conhecimentos que enriquecem o espírito, apuram o gosto estético e desenvolvem o espírito crítico. Tal significado tem muito a ver com o sentido de outros significantes: cidadania, educação, instrução, trabalho, nação, sociedade, povo, civilização. Por baixo de diferentes etimologias pode ser encontrada uma semelhança semântica, que diz respeito ao modo de viver em sociedade. A palavra cultura vem do latim colere ("lavrar"), cultivar o campo que, nas línguas românicas, passou a indicar também cultivar a mente, adquirir conhecimentos através da "instrução". Educação, do latim educationem, substantivo do verbo educere (e+ducere = "levar para fora", fazer nascer, criar). Cidadania vem dos cognatos latinos civis, civitas, civitatanus, relacionados com o conceito de "cidade", o reduto social que oferece a seus membros vários direitos, especialmente o de escolher seus governantes através do voto democrático: civis romanus sum ("sou um cidadão romano") dizia orgulhosamente quem gozava dos privilégios da cidadania da antiga Roma, diferenciando-se dos escravos e dos estrangeiros. À cidadania está ligado o conceito de "Nação" (de nationem, relacionado com o verbo nascere = nascer), de "Povo" (de populum, o habitante do mesmo lugar, que fala a mesma língua e tem os mesmos costumes) e de "Civilização" (de civilis, civilitatem, do mesmo étimo de civis, o conjunto das características próprias que identificam a vida econômica, intelectual e moral de certas sociedades). Civilização é autocontrole. A repressão dos impulsos individuais é indispensável para viver em sociedade. Não sempre o que se deseja é bom para nós. Às vezes é até prejudicial. De outro lado, viver em sociedade implica numa renúncia de parte da liberdade da personalidade individual. É o preço que se deve pagar para gozarmos dos benefícios que a vida em sociedade nos proporciona.

A sociedade humana passou por diversos ciclos de cultura, que a levaram a profundas transformações: nômade, agrícola, guerreira, comercial, industrial. Atualmente vive sob a égide da tecnologia, baseada na cultura da informação, que se tornou fundamental para o progresso: quando não há informações precisas, não pode se chegar a lugar algum. Mas apenas a informação é insuficiente: os dados adquiridos devem ser estudados, interpretados, para se chegar ao verdadeiro conhecimento, o saber que transforma a realidade, adaptando-a às sempre renovadas necessidades. Os diplomas obtidos por ter freqüentado cursos universitários, em si, não são suficientes, não garantem emprego algum. Como disse Benjamin Franklin, "um idiota letrado é muito mais idiota que um ignorante", ou, segundo afirmou Paul Valéry, "não hesito em declarar: o diploma é o inimigo mortal da cultura". O que se pede é inteligência e, sobretudo, competência, que se adquire pelo esforço do aluno em acompanhar o conteúdo das aulas com leituras e pesquisas em casa ou em bibliotecas. A relevância da leitura para a formação da personalidade individual é assinalada pelo poeta Mário Quintana, por um jogo de palavras: "livros não mudam o mundo; quem muda o mundo são as pessoas; os livros só mudam as pessoas". É tão importante o estudo a domicílio que alguns países mais avançados estão instituindo a prática da Homeschooling: o ensino doméstico, ministrado por familiares e professores particulares, substituindo a escola pública, para melhorar a qualidade da aprendizagem, evitar o contato com gente de baixo nível e esconjurar o perigo do uso de drogas. A prática da educação em casa começou com o movimento hippies (→ Liberalismo), na década de 1960, que defendiam um tipo de ensino livre do sistema educacional conformista. A filosofia e a ética hippie surgiram em oposição à "Era da Repressão", que até então dominara na educação da juventude. As bandeiras "Paz e Amor", "Faça o Amor e não a Guerra", "Faça o que quiser desde que não faça mal a ninguém" e semelhantes introduziram a "Era da Permissividade". Pena que o ideal de liberdade praticado pelo modo de vida dos hippies tenha descampado para o uso da droga e da vagabundagem. Faltou acrescentar o item Trabalho à Paz e ao Amor. Não é justo que gente adulta tem que viver às custas do trabalho de outros. Seria uma nova forma de escravidão.

O homeschooling, mais tarde, foi adotado por grupos de cristãos fundamentalistas, que queriam preservar valores morais e religiosos. Hoje, a educação em casa é um sistema de aprendizagem reconhecido pela maioria das Universidades inglesas e americanas, especialmente após a difusão dos sites de busca e das Universidades Livres via eletrônica pela Internet (→ Informática). Mas, apesar dos sucessos obtidos, o ensino caseiro deve ser visto apenas como uma alternativa possível em alguns grupos sociais privilegiados. A educação pública é insubstituível na maioria das sociedades, especialmente as mais pobres, pois estimula a ajuda mútua e o espírito corporativo, além da competição. Deve-se, isso sim, melhorar o ensino público, porque está comprovada uma estreita relação entre o nível educacional e o desenvolvimento econômico de regiões e países. Já os antigos romanos diziam:

"non scholae sed vitae discimus" (devemos aprender para a vida e não para a escola)

pois não adianta passar de ano, tirar um diploma e não saber nada. Fundamental é criar o hábito da leitura em casa, o meio insubstituível da aprendizagem pois, no dizer de do dramaturgo Ionesco, "a inteligência é como ferro; sem usar, enferruja". Como afirma o escritor japonês Hateiva, "não há artesão sem ferramentas, nem sábio sem livros". O que realmente importa, dá satisfação e recompensa monetariamente é a competência, o know hou, o saber como fazer alguma coisa. Educação, Trabalho e Economia são três fatores diretamente proporcionais: sem um bom nível de escolaridade não se consegue nenhum emprego decente e sem uma boa profissão não se ganha dinheiro honestamente. É um fato documentado por várias estatísticas que o crescimento econômico está ancorado na educação, haja visto que as nações mais desenvolvidas são as que mais investem em escolas, esportes, artes, na cultura física e intelectual de seus cidadãos, especialmente das crianças. Para se chegar à "sociedade do conhecimento" faz-se necessária uma "educação continuada". Ninguém pode parar de se atualizar, devendo usar qualquer meio a sua disposição: cursos de pós-graduação, de reciclagem, de aperfeiçoamento profissional; acompanhar os progressos das ciências e das artes através da leitura de jornais e revistas; participar de congressos e exposições; assistir filmes, peças teatrais, bons programas televisivos; recorrer a sites de busca da Internet para obter mais informações culturais; não dispensar a orientação de docentes e pesquisadores especializados nos vários assuntos; e, sobretudo, ler muito, mesmo sob a forma de autodidatismo, pois a leitura, além das viagens, é o meio mais estimulante para a reflexão sobre a vida. Um ditado japonês ensina: "o pai que quer bem ao filho, o faz viajar". Se não puder aprender diretamente através de viagens, que leia pelo menos! Se uma sociedade quer ver seus sonhos realizados deve promover a educação do seu povo, pois o bem-estar, individual ou coletivo, está na dependência de uma contínua aprendizagem. Ter um nível intelectual alto não está relacionado necessariamente com o emprego conseguido: nos Estados Unidos há universitários dirigindo táxi ou servindo em lanchonete; na Europa é comum uma moça fazer um curso universitário apenas para adquirir mais cultura, o que lhe permite ajudar os filhos a fazer suas tarefas de escola, compreender melhor as pessoas e a realidade em que vive, sentir a importância de uma obra de arte. Isso é civilização! A essência da educação de um povo reside no estudo das humanidades para desenvolver idéias, sentimentos e espírito crítico, além de qualquer objetivo prático. Mas é claro que inovações tecnológicas e temas atuais de física, biologia e genética não podem ser descuidados, devendo ser ensinados também nos chamados "departamentos de humanas". Não faz mais sentido estabelecer barreiras entre as várias ciências e as artes. Um cientista sem cultura geral pode ser tão nocivo à sociedade quanto um humanista sem nenhum conhecimento científico. A escola pública e privada, nas várias áreas e nos vários níveis (não apenas no universitário), tem a função de fazer a cabeça do aluno e do cidadão, estimulando a curiosidade, o livre pensamento, a atividade criadora e julgadora. As seguintes perguntas do poeta e crítico T.S. Eliot indicam a necessidade da seqüência lógica, seguindo a linha informação → conhecimento → sabedoria → vivência:

Onde está a vida que perdemos vivendo?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?

O polêmico historiador norte-americano David Landes, no seu livro A Riqueza e a Pobreza das Nações (1998), retoma, de uma forma mais ampla e fora do conflito religioso, a tese já clássica de Max Weber (1864–1920), exposta na famosa obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (→ Lutero). Para os dois estudiosos, a disparidade de crescimento entre os diversos países dos vários continentes tem como causa fundamental a falta de cultura e do espírito de trabalho. Com efeito, a análise histórica da decadência de civilizações outrora florescentes (Egito, China Imperial, Europa medieval, Islamismo atual) apresenta como elementos comuns determinantes, além do baixo nível do ensino público, os costumes conservadores, a projeção da felicidade humana no além-túmulo, a falta de liberdade e de democracia, o espírito quietista e contemplativo, o desestímulo ao progresso e à criatividade. Os países que, deixando de lado o absolutismo fetichista, ignorante e supersticioso, de deuses e reis, investiram maciçamente na educação e na cultura de todas suas camadas sociais, com liberdade e democracia, estimulando a criatividade e o trabalho, atualmente são os mais desenvolvidos: USA, Japão, Alemanha e outras nações européias. No fritar dos ovos, só uma forte cultura laica e democrática pode levar a um desenvolvimento social, econômico e artístico, que possa ser duradouro por atingir a grande massa de um povo. E uma Nação, sozinha, não consegue alcançar o ideal de propiciar a felicidade a seus cidadãos, se estiver circundada de povos incultos e economicamente subjugados, pois seu poderio vai semear ódio e vingança, provocando guerras e terrorismo. O pesquisador americano Samuel Huntington, pelo influente livro O Choque das Civilizações, publicado em meado dos anos 90, é considerado o profeta da era moderna, pois parece ter previsto o desastre de 11 de setembro de 2001, quando o terrorismo islâmico derrubou as Torres Gêmeas de Nova York, ao escrever que haveria um choque iminente entre o Ocidente e o mundo muçulmano. Ele identifica oito tipos de civilização contemporânea: a chinesa, japonesa, islâmica, russa ortodoxa, ocidental, latino-americana, africana, indiana. A que domina o mundo, atualmente, sem dúvida, é a Ocidental, que engloba os Estados Unidos da América do Norte e a maioria dos países europeus mais avançados. E também não há dúvida de que esta é a civilização mais progressista, pois fundamentada em princípios sólidos, herdados das instituições constitucionais que se sucederam à Revolução Francesa: democracia liberal, mercado livre e forma de governo laico. Através do processo de Globalização, a civilização Ocidental tenta impor sua cultura aos outros povos. O exemplo é o milagre da Comunidade Européia. No dia 1º de maio de 2004, mais uma dezena de países do Leste do Continente aderiram ao Mercado Comum, totalizando 25 nações que aboliram fronteiras e moedas. Mas, no Oriente Asiático, a missão é mais difícil, pois modernizar civilizações implica na perda da identidade cultural e religiosa de povos que têm tradições milenares. A mais problemática é a civilização islâmica pela sua extensão territorial, pela massa populacional e, sobretudo, pelo imenso poder que a Religião muçulmana exerce sobre o governo do Estado. E a história nos ensina que todo o regime teocrático é "involutivo", pois qualquer tipo de "fundamentalismo" é retrógrado, impedindo o livre exercício da liberdade e da criatividade. Veja-se, por exemplo, o atraso em que ficou a Europa durante a era da dominação cristã, do séc. V ao XI. É impressionante constatar que por mais de seiscentos anos, afogada a cultura greco-romana, nenhum país europeu produziu um filósofo, um cientista um artista, sequer! Alguém conhece algum homem ilustre que viveu durante esses longos seis séculos? Não é uma vergonha para a Humanidade? (→ Medievalismo) O fanatismo religioso, de qualquer credo, é a perene causa da guerra, da injustiça, da miséria, da ignorância e da escravidão ética e econômica de um povo. Deus está muito bem no Céu, mas, quando desce na Terra e assume o poder público pelas mãos de padres, pastores, talibans ou aiatolás, é uma desgraça cívica, na certa! Infelizmente, a maioria das culturas religiosas, enraizada em tradições seculares, impõe um tipo de vida que contraria a própria natureza, tolhendo ao homem o seu dom mais precioso, o de pensar e agir livremente. Como afirmou Marcel Proust, "a persistência de um costume está, geralmente, em relação direta com o seu absurdo". É desalentador constatar como a cultura de massa generaliza a imbecilidade! O que nos chamamos de vida social ou de moral burguesa, no fim, é uma grande hipocrisia que, o que é pior, nos faz viver numa estado de infelicidade no maior tempo de nossa existência. Stendhal definiu a sociedade como um "ignóbil baile de máscaras". Quem sabe, um dia, o homem aprenda a fazer correto uso da sua racionalidade e crie uma sociedade onde predomine o bom senso, fundamento de um possível viver em tranqüilidade!