OSWALD de Andrade ("O Rei da Vela") → Modernismo
O cálculo frio é a nossa honra...
A neurose do lucro!
Poeta, romancista e dramaturgo, Oswald de Andrade (1890–1954), é considerado o líder do movimento modernista no Brasil. Suas viagens à Europa permitiram-lhe entrar em contato com as teorias estéticas do Futurismo e do Cubismo. Em 1924 lançou o famoso "Manifesto da Poesia Pau-Brasil", em que propugna a volta ao estudo da realidade brasileira a ser recriada através do texto poético. No "Manifesto de Antropofagia", quatro anos depois, acentua o seu deslumbramento pela terra brasileira, sustentando a tese de que a cultura estrangeira não deve ser simplesmente transplantada aqui, mas "devorada", assimilada de forma que produza algo de novo e genuinamente nosso, do mesmo modo que os indígenas antropófagos, seguindo os rituais, comem as carnes dos civilizados para apoderar-se de suas forças vitais. Ele, junto com Mario de Andrade e Manuel Bandeira, se destaca entre os poetas que pertenceram à chamada "Geração da Semana de Arte Moderna", que vai de 1922 a 1945. Sua figura de homem e de escritor está visceralmente ligada à Vanguarda européia e ao surgimento do Modernismo nas letras e nas artes brasileiras. Ele lançou as formulações básicas da poética modernista em vários manifestos. Na prosa de ficção, além de aspectos retóricos e decadentes, ainda resquícios da sua formação cultural do tempo da "belle époque", encontráveis na "Trilogia do Exílio" (Os condenados, A estrela de absinto e A escada vermelha), inicia a técnica da montagem de fragmentos justapostos e o estilo telegráfico, além de apresentar outros arranjos formais inovadores, especialmente nos romances Memórias sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande. Na dramaturgia, junto com Nélson Rodrigues, é considerado o fundador do moderno teatro brasileiro, pelas suas peças de participação social, onde realiza uma sátira feroz contra a nobreza decadente, a burguesia ambiciosa e a exploração de nossas riquezas pelo capital estrangeiro. Mas seu teatro de crítica e de insurreição não foi apreciado na sua época, tanto que o espectador brasileiro precisou esperar até o ano de 1968 para ver encenado uma peça de Oswald de Andrade. Talvez porque o radicalismo da intelectualidade modernista não considerasse a dramaturgia oswaldiana muito inovadora ou talvez porque não havia mesmo no Brasil uma tradição teatral relevante. Esta, realmente, só começou a existir na década de 1960, com o surgimento do Teatro Oficina, em São Paulo. Foi esta companhia que representou, pela primeira vez, O rei da vela, com enorme sucesso aqui e no exterior.
A peça é composta de três atos, com dois cenários bem distintos: um escritório de usura, disfarçado de comércio de velas (primeiro e terceiro atos), e uma ilha tropical (segundo ato). Os personagens principais são: Abelardo I, um novo-rico que subiu na vida explorando a miséria alheia através da agiotagem; Heloísa de Lesbos, sua noiva, filha da decadente aristocracia rural; Abelardo II, secretário e, no fim da peça, sucessor de Abelardo I. Como personagens secundários, temos vários familiares de Heloísa: o pai, Coronel Belarmino; a mãe, Dona Cesarina; a irmã Joana, apelidada de "João dos Divãs"; o irmão homossexual Totó Fruta-do-Conde; o outro irmão, Perdigoto, jogador inveterado e alcoólatra; e mais: o intelectual Pinote, que coloca sua cultura a serviço de Abelardo I; o americano Mr. Jones que, além de interessar-se pelos negócios, vive paquerando Heloísa; e o chofer. Pela escolha dos nomes das personagens, já percebemos a sátira dos desvios sexuais da nobreza decadente e da burguesia oportunista, além da fina ironia que transparece pela denominação Abelardo-Heloísa, famoso par sentimental da Idade Média, pelo título da peça e pelos números ordinais I e II, que sugerem uma sucessão imperial. A ação dramática começa retratando o sofrimento moral dos infelizes que as míseras condições de vida obrigam a recorrer á agiotagem: Abelardo I atende-os com desprezo e crueldade, colocando os revoltosos numa jaula, símbolo da degradação humana. No segundo ato, muda a paisagem física e humana. Numa ilha luxuriante, com decoração tropical, Oswald de Andrade mostra as três classes sociais que dirigem o nosso País: a decadente aristocracia rural, personificada na família de Heloísa de Lesbos, que vende sua dignidade para conseguir recursos econômicos; a burguesia endinheirada, representada por Abelardo I, o rei das velas, que almeja um lastro nobiliar; o capital estrangeiro, na figura do norte-americano Mr. Jones, que explora as fraquezas das duas classes brasileiras para fazer bons negócios. Os representantes dessas três classes vivem numa promiscuidade indecorosa, esbanjando luxo e licenciosidade. No terceiro ato, a ação volta a desenvolver-se no escritório de usura: enquanto Abelardo I se divertia na ilha, o seu secretário, Abelardo II, o roubava no escritório, levando-o à falência. Aquele não resiste à idéia de voltar à antiga miséria e acaba suicidando-se. A peça termina com o casamento de Heloísa com Abelardo II. Passam os homens mas as instituições corruptas continuam!
O sentido social da peça é bem evidente, encontrando-se também ao nível reflexivo, especialmente pelas considerações finais de Abelardo I, quando, antes de matar-se, preconiza idealisticamente que o povo unido, seguindo os preceitos do socialismo, irá conseguir derrotar o capitalismo selvagem, nacional e estrangeiro. Vale a pena transcrever um trecho do derradeiro diálogo entre Abelardo I e Abelardo II:
O cálculo frio é a nossa honra. O sistema da casa!
Não morro como um convertido. Se sarasse ia de novo lutar pela nota.
Ia ser pior do que fui. E mais precavido. A neurose do lucro!
Quem a conhece não a larga mais. É a mais bela posição do homem sobre a terra!
Nenhuma militância a ela se compara. Nenhuma religião.
Se vejo com simpatia, neste minuto da minha vida que se esgota,
a massa que sairá um dia das catacumbas das fábricas...,
é porque ela me vinga de você.
Que horas são? Moscou irradia a esta hora. Você sabe!
Abra o rádio. Abra. Obedeça!
É a última vontade de um agonizante de classe!