Dicionário de Cultura Básica/Trovadorismo

TROVADORISMO (estilo de poesia lírica da Provença) → Medievalismo

No início da era cristã, a poesia está voltada quase exclusivamente para o culto religioso. Em língua latina, que permanece por muitos séculos o meio oficial da expressão da Igreja, são produzidos cantos e hinos litúrgicos. Para facilitar a memorização de fórmulas dogmáticas e de preces, a poesia sacra introduziu a versificação rimada no Ocidente. Como se sabe, a lírica greco-romana não fazia uso da rima, embora a figura retórica do homeoteleuton ("mesma desinência") dela se aproximasse. O Sul da França, especialmente a região da Provença onde se falava a langue d’oc, é considerado o centro de irradiação do lirismo medieval. Daí os trovadores se espalharam pelas cortes da Europa, divulgando sua arte poética, de cunho marcadamente individualista, exaltando os encantos da natureza e as virtudes da mulher amada, considerada a dona do coração do poeta, à qual ele devia prestar seu "serviço", segundo o costume da vassalagem da Idade Média. Além do serviço, o código de obrigações exigia o "segredo", a discrição sobre a identidade da dama, pois geralmente se tratava de uma senhora casada, e a "mesura", que implicava o autodomínio das emoções.

A temática recorrente na poesia trovadoresca é a aspiração a um amor impossível, pois o objeto do desejo do eu poemático é inatingível, sendo uma mulher casada e de classe social superior. Evidencia-se, portanto, no espírito do trovador um estado de tensão entre o real e o ideal. Enquanto, de um lado, a idealização da beleza física e espiritual da amada atrai o poeta quase irresistivelmente, de outro lado, a condição social muito mais elevada da dama cria um abismo que impede qualquer possibilidade de aproximação. Se se considerar ainda que outro aspecto temático é a necessidade do merci (perdão, compaixão) da dama para a salvação do poeta, percebe-se como é complexo o novo conceito do amor introduzido pela poesia trovadoresca. Para o entendimento dessa revolucionária concepção do amor, ao mesmo tempo espiritual e adulterino, surgiram várias teses, sintetizadas por Natália Correia no seu ensaio introdutório à publicação dos Cantares dos trovadores galego-portugueses. A tese mais sugestiva é aquela apoiada no antigo mito do Andrógino ou Hermafrodito, o ser bissexuado, o arquétipo humano anterior à separação do elemento masculino do feminino: a Grande Mãe partenogenética representa o princípio estável, em cujo seio se gera o filho, que é o princípio instável, pois nasce, morre e renasce; enquanto, de outro lado, a figura do homem poderoso, mitificado em Júpiter, representa o princípio do autoritarismo, personificado no pai, no marido ou no governante. Recorrendo à psicologia das profundidades, a gênese da concepção revolucionária do amor trovadoresco é encontrada num sentimento amoroso anterior ao sexo, a mulher sendo concebida como mãe, em quem a criança sente residir o princípio de segurança para sua conservação. Essa estratificação infantil da segurança encarnada na mãe projeta-se na vida do adulto toda vez que o homem se sente angustiado pela opressão das forças sociais que ameaçam seu direito à liberdade ou põem em perigo a conservação de sua individualidade. A exaltação das virtudes da mulher idealizada representaria, ao nível do subconsciente coletivo, o desejo de reconquistar a força do ser andrógino arquetípico para poder lutar contra a opressão das instituições políticas e sociais, patriarcalmente estruturadas.

Ao lado da lírica trovadoresca, formalista e idealizante, coexistia na França um tipo de poesia satírica e irreverente, a dos goliardos ou clérigos vagantes, estudantes universitários de teologia, que viajavam de cidade em cidade, vivendo de esmolas e de boemia. O maior expoente da poesia goliárdica foi François Villón. Na Alemanha medieval, chamou-se de Minnesang a uma escola de poesia que sofreu as influências da poesia trovadoresca. Os autores mais importantes da lírica medieval alemã foram o imperador Henrique VI e os poetas Venceslau da Boêmia e Walter von der Vogelweide. Paralelamente à lírica elaborada e convencional, existiu também na Alemanha, como em outros países ocidentais, uma corrente de poesia autóctone, de raízes populares e de formas e temas livres e simples. Na Península Ibérica, o gênero lírico apresenta três tipos de poesia, diferentes quer pela forma da expressão quer pelo conteúdo: o lirismo paralelístico e simbólico da "cantiga de amigo", o lirismo convencional e idealizante da "cantiga de amor" e o lirismo realista e satírico da "cantiga de escárnio".

As "cantigas de amigo", de origem autóctone, inspiram-se na vida do campo, retratando a realidade das zonas rurais, tendo como cenário as fontes, os rios, as árvores, as flores e, como personagens, jovens pastores ou agricultores que dialogam e trocam confidências sobre assuntos vários, predominando os temas da descoberta do amor, da tristeza pela ausência do ser amado, da espera pelo retorno, da decepção pelo abandono, da alegria pela realização amorosa. O "eu" poemático, o sujeito do discurso, é sempre a moça, pois na realidade campestre o elemento estável é a mulher, porque o homem costuma viajar, ausentando-se para a guerra, para o trabalho ou para a romaria. Outro aspecto formal da cantiga de amigo é a presença do paralelismo e do refrão, que pressupõe a existência de um coro. O texto poético apresenta pouca relevância, sendo pobre de palavras e de idéias, dando a impressão de ser improvisado, segundo o costume dos repentistas. A repetição simétrica de versos e o acompanhamento da música, do canto e da dança conferem à cantiga de amigo um aspecto mais dramático do que propriamente lírico. É que, na produção poética primitiva de qualquer povo, o gênero lírico não está separado do narrativo e do dramático.

As "cantigas de amor", diferentemente, são produções poéticas galego-portuguesas que acusam as influências da poesia trovadoresca provençal, cujo código cultural é homólogo às estruturas sociais do sistema feudal, centrado sobre o princípio da vassalagem. O ambiente não é mais a roça, mas o paço ou o castelo, exprimindo artisticamente o tipo de vida cortês, onde predomina o refinamento, o cerimonial, o artificialismo. O sujeito da enunciação não é mais a moça, mas o próprio trovador que chora sua mágoa ("coita") por não poder alcançar o objeto de seu desejo: o amor da dama infinitamente superior a ele por beleza, virtude e posição social.

As "cantigas de escárnio" são painéis satíricos do cotidiano, criticando a vaidade feminina, a rivalidade entre trovadores, a imitação da moda poética estrangeira, a sovinice, as pretensões de ascender na hierarquia social etc. As produções poéticas medievais da Península Ibérica encontram-se coletadas em três cancioneiros: o Cancioneiro da Ajuda, o da Biblioteca Vaticana e o da Biblioteca Nacional de Lisboa. A redação das cantigas ocorreu durante um século e meio (entre 1200 e 1350) e seus principais autores foram os trovadores Martim Codax, Pedro da Ponte, Joan Garcia de Guilhade, Pero Meogo, Nuno Fernandes Torneol, Dom Dinis, entre outros.

Na Itália, a partir do século XI, com a passagem do sistema feudal de vida para a instituição das Comunas e das Senhorias, formas de governo urbano, nota-se uma renascença dos costumes políticos, do comércio mercantil, da cultura e das artes. Os dialetos das várias regiões da Itália (Vêneto, Sicília, Toscana, Campânia) começam a produzir seus primeiros documentos literários escritos, embora somente a partir do século XIV se possa falar do início de uma língua nacional unificada, quando o dialeto toscano, por motivos culturais, se impõe sobre os outros. O gênero lírico em língua italiana inicia-se marcado por um aspecto profundamente religioso, como se releva do Cântico do Irmão Sol, de São Francisco de Assis (1182–1226), e das Laudes (composições poéticas que parafraseavam textos evangélicos), de seu discípulo Iacopone de Todi. Mas logo se afirma a lírica de inspiração amorosa com o surgimento da primeira escola poética italiana, a chamada "escola siciliana", na corte de Frederico II (1208–1250). Aí se reuniam filósofos, cientistas e artistas, formando o primeiro núcleo de cultura laica da Itália pré-renascentista. Os literatos sentiam muito a influência da poesia trovadoresca provençal, sendo suas composições aristocráticas e frias pela concepção da mulher como um ser distante e inacessível, a que o poeta presta o culto de vassalagem. A escola siciliana teve adeptos em quase toda a Itália e só foi superada quando surgiu a escola do dolce stil nuovo, iniciada pelo bolonhês Guido Guinizelli, continuada pelo florentino Guido Cavalcanti e levada ao seu apogeu por Dante Alighieri, cuja poesia lírica está contida em duas coletâneas: Vida nova e Rimas. A primeira obra contém os primeiros poemas, enfeixados num livrinho em prosa. O discurso em prosa, que se alterna com as poesias, tem duas finalidades: comentar cada poema e estruturar a trama da autobiografia poética de sua juventude (daí o título de Vida nova). O tema é a história de seu amor, meio real e meio poético, por Beatriz. Narra do primeiro encontro, ainda criança, do amor secreto aos dezoito anos, do casto ciúme da amada, da morte desta e do voto do poeta de imortalizar, pela arte da palavra, a memória de Beatriz. As Rimas são uma coletânea de cinqüenta e quatro poemas, sonetos na sua maioria, em que ainda predomina o tema do amor, mas onde é mais visível sua adesão às formas estéticas e aos conteúdos ideológicos da escola poética toscana que o proóprio Dante chamou de "dolce stil nuovo".

Mas o maior poeta lírico da Idade Média foi, sem dúvida, Francesco Petrarca (1304–1374), o primeiro grande poeta introspectivo e sentimental em língua românica que deixou marcas profundas na formação estética de muitos poetas de vários países europeus, especialmente na época do Renascimento. Com efeito, chamou-se de "petrarquismo" o modo de poetar que predominou até o séc. XVI, na Itália, na França, na Inglaterra, na Espanha e em Portugal. Quanto ao aspecto formal, os imitadores de Petrarca se preocupavam com a escolha apropriada dos adjetivos, a musicalidade dos versos, a preferência pelo uso do soneto, a busca de metáforas capazes de estabelecer homologias entre os dotes físicos e a beleza espiritual da amada. Quanto ao conteúdo, o tema preferido pelos petrarquistas era a concepção platônica do amor, pela qual a beleza física da mulher era a imagem materializada da beleza de sua alma. A contemplação e a exaltação dessa beleza elevava espiritualmente o poeta, inspirando-lhe nobres sentimentos. A melhor produção lírica de Petrarca encontra-se no seu Cancioneiro,, coletânea de mais de duzentos poemas, publicados com o título de Rimas, escritos ao longo de trinta anos. Nesta obra encontramos a história do sentimento amoroso que o poeta nutriu pela sua amada Laura, desde o primeiro encontro até o desejo de reencontrá-la no céu, após o falecimento da jovem. A morte de Laura, mulher real mas idealizada pela fantasia do poeta, divide o "Cancioneiro" em duas partes. A segunda parte escrita após a morte da amada é a mais poética, porque é mais vivo o sentimento da saudade e da procura da solidão para o poeta poder-se dobrar melhor sobre seu espírito e meditar acerca da fugacidade da existência e do contraste de um amor que aspira a ser eterno, embora fundamentado numa beleza perecível. Com a "Canção à Virgem Maria", que encerra as Rimas de Petrarca, enfim convertido à espiritualidade cristã, o poeta procura a purificação de seu amor e a paz, que só pode encontrar-se numa morte santa, que eleve a alma até o seio de Deus.