[Fl. 28B-v.][P]om o poeta este emxemplo por noso amoestramento, e diz que andando hũu lobo sseu camynho, encontrou com hũu cam. Ho lobo ho ssaudou e mostrou-lhe boo ssenbramte, e disse que queria ser sseu companheyro. O cam disse que lhe prazia d’elo muyto.
Andando anbos de companha, o lobo compeçou de olhar o cam, e disse-lhe:
— Como tu estás guordo e fremoso?!
Ho cam lhe rrespondeo:
— Porque de noute eu guardo a casa de hũu senhor com que viuo, e non leixo acheguar a ella nhũu[1] ladrom. E por tamto meu senhor me ama muyto, e dá-me de comer e de beber quanto me faz mester.
Diz o lobo:
— Eu me quero vĩjr com tiguo[2], porque me faças poer na graça do teu ssenhor.
O cam disse que lhe prazia d’ello muyto.
Amdando assy anbos, o llobo esguardou e vio que o cam avia o pescoço pelado, e preguntou-lhe[3] por que avia o pescoço pelado. O cam lhe disse que o sseu senhor o tijnha leguado o dya porque nom mordesse a gemte, e aa noute ho leixaua andar ssolto, por lhe guardar a casa. Quando o lobo ouuyo que legauam o cam de dia, disse:
— Nom quero hir com tiguo. A mym praz mays viuer em mynha liberdade e comer[4] mall, que bem comer e sseer /[Fl. 29-r.] sempre seruo.
E loguo sse partio do cam.
E este emxempllo sse concorda com este vesso que diz: Ne ssyt alterius[5].
Diz este poeta per este emxemplo, querendo-nos amaestrar, que o homem proue que viue em ssua liberdade he mays rrico que o rrico quando viue e he seruo alheo. E o homem que seruo he nom he ssenhor de ssy meesmo, nem he senhor do que tem; ho homem que he em ssua liberdade, e em ella viue, nom póde cobrar ssemelhamte tesouro; e quem seruo sse faz, esperando de sseer rrico, tal como este se póde chamar proue. Ha liberdade nom sse póde comprar por todo o auer do mundo; ha liberdade he hũa graça celestriall, a quall passa todalas rriquezas do mundo.