MARIA (a Virgem-Mãe de Jesus: o mito da Partenogênese)

Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré,
a uma virgem desposada com um homem chamado José,
da casa de David, e o nome da virgem era Maria...
"Hás de conceber no teu seio e dar à luz um filho,
ao qual porás o nome de Jesus..."
Maria disse ao anjo:
"Como será isso, se eu não conheço homem?"
O anjo respondeu-lhe:
"O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo
estenderá sobre ti a sua sombra.
Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer
há de chamar-se Filho de Deus."

O relato acima, do Evangelho de São Lucas (→ Bíblia), aponta a versão cristã do mito da "Partenogênese". Do grego parthenos = "virgem" + gênesis = "origem", o termo significa o parto virginal, quer dizer, um ser de sexo feminino procria sem a participação do elemento masculino. Na Mitologia grega, temos o exemplo da divindade primordial Gaia, a Mãe Terra que, sozinha, sem a intervenção de nenhum princípio masculino, engendra o Céu (Urano) e depois se casa com ele, dando origem a todas as outras divindades. "Partênia" era o epíteto das deusas castas Diana e Juno. Esta última recuperava todo o ano sua virgindade, banhando-se nas águas de uma fonte sagrada. Algo semelhante se encontra na tradição judaico-cristã, especialmente no tocante ao dogma da Santíssima Trindade: Deus Pai (o Criador) ordena que seu Filho (o Redentor) se encarne na Virgem Maria (a conjunção entre o humano e o divino) por virtude do Espírito Santo (o Fecundador) para salvar o gênero humano (o Pecador). Quer dizer Cristo, como Deus, é pai de Maria; como humano é seu Filho e, como Espírito Santo, é seu marido. Maria, então, seria Filha, Mãe e Esposa de Deus. A endogamia e o hibridismo divino/humano são comuns em muitas religiões. O texto bíblico citado, como outros que tratam da Anunciação, da Natalidade de Cristo e de outros dogmas da religião católica, apresenta um fato misterioso, que só pode ser aceito pela fé, pois, especialmente naquela época, não havia nenhuma explicação lógica ou científica para uma "esposa virgem" ou um "parto espontâneo". A interpretação materialista do dogma da Imaculada Conceição acena para um coito incompleto ou um hímen complacente na tentativa de explicar a excepcionalidade do nascimento de Jesus, fruto de um singular relacionamento amoroso entre José e Maria. Mas aí, como no caso de Cristo ter irmãos ou ser amado também fisicamente por Maria Madalena, entramos no campo da pura especulação histórica, tratando Maria como um personagem "humano, demasiadamente humano", conforme a expressão de Nietzsche.

O Mito, na precisa e feliz definição de Fernando Pessoa, é "o Nada, que é Tudo". Nada, pois não tem fundamento histórico nem sustentação científica, mas Tudo porque é inerente à espiritualidade de um povo, sendo o impulso que nos faz sonhar com a existência de um mundo acima da matéria perecível (→ Religião). E a devoção à Virgem Maria, muito discreta no início do Cristianismo, começou a tomar consistência a partir do Concílio de Éfeso (431), quando a mãe de Jesus foi reconhecida oficialmente e proclamada "Mãe de Deus". As festas em honra de Maria foram proliferando no Oriente e no Ocidente, enquanto os teólogos se debruçavam sobre a figura da Virgem, criando a disciplina da "Mariologia" e levando o Vaticano a proclamar os dois principais dogmas: A Imaculada Conceição (1854) e a Assunção de Maria ao céu (1950). A maioria dos povos católicos presta seu culto particular à Virgem Maria. Citamos apenas os Santuários marianos mais famosos, centros de constantes peregrinações. Na França, Nossa Senhora de Lourdes; em Portugal, Nossa Senhora de Fátima; na Itália, Montevergine; no México, Nossa Senhora de Guadalupe; no Brasil, Nossa Senhora Aparecida. Nas Artes plásticas, a imagem de Maria está representada, com todos seus mistérios, desde as catacumbas de Roma, em vitrais, em altares e capelas, em estatuas de vários materiais, pelos melhores artistas, ao longo dos dois milênios da cultura cristã. Os temas mais retratados são: Natividade, Apresentação ao Templo, Anunciação, Visitação, Adoração dos pastores e dos magos, Fuga para o Egito, Sagrada Família, Pietà (Piedade), relacionada com a Paixão de Cristo, Assunção. Lembramos alguns quadros e estátuas mais famosas: Virgem com o Menino, vitral da catedral gótica de Chartres; Maestá ("Majestade") de Cimabue, mestre de Giotto (→ Medievalismo); A Anunciação, pintura de Fra Filippo Lippi (início do Renascimento); Pietà: escultura em mármore de Nicolas Coustou (1723), que está na Catedral de Notre Dame de Paris; A Virgem, o Menino Jesus e Sant’Ana, pintura de Leonardo da Vinci, que se encontra no Museu do Louvre, em Paris. Além das Belas Artes, a personagem de Maria povoa o imaginário de poetas, romancistas e cineastas. Recordamos o polêmico filme Je vous salue, Marie, do suíço Jean-Luc Godard (1985).