TERRA (o mito de Ceres = Deméter, agricultura, reforma agrária)

O grão, que morre, renasce trigo e se transforma em pão

Narra o mito que, num momento indefinido, do Caos surgiu a primeira realidade sólida, chamada Gaia na Grécia, e "Terra" em Roma. Ela, por partenogênese, deu à luz o Céu estrelado (Urano), que a cobriu toda. Do Caos, junto com a Terra, saiu também Eros, o amor universal, cuja força irresistível operou a conjunção do Céu e da Terra, fazendo com que a mãe se apaixonasse pela sua criatura. Esta história imaginária, que diz respeito às "divindades primordiais", se encontra narrada no verbete Mitologia. Aqui, vamos tratar da terra como produtora de grãos, relacionada com o mito da divindade olímpica grega Deméter, correspondente à Ceres romana, e da eterna "questão agrária". Do latim ager, agri (terra, campo) + cultura, a Agricultura é a atividade mais antiga do ser humano para prover sua subsistência. No livro Gênesis da Bíblia, o cultivo do solo é imposto a Adão como castigo por ter desobedecido a Deus e ter perdido os dons preternaturais:

"Da terra arrancarás o alimento a custo de penoso trabalho."

A cultura de grãos, plantas e animais domésticos remonta ao séc. IX a.C., na civilização ocidental, tendo como ponto de partida o Oriente Médio. Os gregos reservaram um lugar especial, entre as doze divindades mais importantes do Olimpo, a Deméter, deusa da terra, do plantio e da colheita. O mito sobre essa divindade é lindíssimo: filha de Saturno (→ Cronos) e de Cibele e mãe de Pluto, o deus da abundância, foi desejada por várias divindades. Para escapar do assédio sexual de Netuno, transformou-se em égua, mais eis que o deus do mar toma a forma de cavalo e a possui. Por uma relação com Júpiter, o pai dos deuses, Deméter gera Prosérpina, que Plutão rapta e leva para o seu reino do Inferno. Inconsolável com a perda da filha, a deusa sai a sua procura, ficando longe do Olimpo. Sua ausência torna a terra estéril e provoca epidemias. Preocupado, Júpiter pede a Plutão de devolver Prosérpina à mãe. Chega-se a um acordo: Prosérpina passaria um período do ano com sua mãe e outro com Plutão. O primeiro corresponde à primavera, o tempo da colheita, em que os novos rebentos saem dos sulcos, assim como Prosérpina deixa a morada subterrânea e dirige-se para o Olimpo. O segundo é o da semeadura de outono: os grãos de trigo são enterrados, quando ela volta para o convívio de Plutão. O mito de Deméter simboliza a perpetuação da vida através do ciclo da morte e da ressurreição. No séc. V a.C., o culto da deusa grega Deméter é introduzido em Roma, identificando-se com Ceres (de onde veio "cereais"), a primitiva divindade itálica da vegetação, confundida com Tellus (de onde veio "telúrico"), personificação da terra nutritiva. As festas em honra da deusa, chamadas de "Cerealias", eram celebradas duas vezes por anos, no fim da semeadura e no fim da colheita.

O milagre do grão, que morre em baixo da terra para nascer trigo e se tornar pão, sempre foi objeto de culto litúrgico, de canto poético, de manifestação artística. Além do alimento, o homem extrai da terra também os medicinais para tratar suas doenças. Isto, naturalmente, se ele cuida do solo, se planta, se usa uma tecnologia apropriada, se abraça a agricultura com vocação e dedicação. Mas há proprietários rurais que mantêm a terra improdutiva, esperando sua valorização ou satisfazendo apenas o sentimento de posse. Há outros que não remuneram condignamente os trabalhadores do campo, não lhes concedendo as mesmas regalias de que gozam os operários urbanos. Daí surgirem conflitos entre latifundiários e camponeses. A questão agrária é bem antiga. Já Sólon, considerado um dos Sete Sábios da Grécia, quando Arconte de Atenas (594–593 a.C.), promulgou uma série de leis agrárias com o intuito de proteger os camponeses pobres do egoísmo da poderosa aristocracia rural, colocando-se contra o latifúndio: aboliu as dívidas fundiárias, mandou repatriar os cidadãos vendidos ao estrangeiro como escravos, proibiu a servidão por dívida, aumentou o poder da Assembléia, dividiu os atenienses em quatro classes sociais, conforme a renda. Com isso, Sólon instalou a primeira democracia verdadeira no mundo ocidental, com base no cultivo da guerra.

Na Roma Antiga, o problema da Reforma Agrária foi mais violento. Os irmãos Gracos, Tibério e Caio, na segunda metade do séc. II a.C., morreram na luta contra os latifúndios. Tibério Semprônio Graco, eleito tribuno da plebe em 134 a.C., propôs a lei agrária, chamada Rogatio Sempronia, que limitava a extensão das propriedades dos nobres romanos. A lei foi aprovada, mas a reação das oligarquias provocou uma revolta sangrenta, que acabou massacrando, aproximadamente, 300 adeptos da Reforma Agrária, atirando no rio Tibre o cadáver do chefe, Tibério Semprônio Graco. A luta pela aplicação da lei agrária foi continuada pelo irmão Caio, também eleito tribuno da plebe. Ele multiplicou os loteamentos do ager publicus (as terras do Estado), fundou colônias agrárias em várias regiões do mar mediterrâneo ocupadas pelos romanos e quis estender os direitos dos cidadãos romanos a todos os latinos aliados. Esta última medida foi fatal: a plebe de Roma, não querendo compartilhar seus privilégios, virou-se contra o tribuno. Numa batalha ao pé do monte Aventino, junto com o tribuno Caio Semprônio Graco, morreram três milhares de cidadãos romanos, no ano de 121 a.C.

O famoso general e estadista romano, Caio Júlio César, filiado ao partido popular ou democrático, em 59 a.C., durante o Primeiro Triunvirato, obteve o apoio da plebe por meio de duas leis agrárias que permitiam dividir entre os mais pobres o ager publicus da Itália. A preocupação de César visava mais resolver o grave problema social dos ex-combatentes. O exército romano não era permanente: o governo pagava (dava o "soldo") aos soldados aglutinados para participar de determinadas campanhas. Terminada a expedição militar, que às vezes durava longos anos, os ex-combatentes ficavam desempregados, vivendo da caridade pública, que lhes fornecia panem et circenses (o pão e o circo). A vontade política de César, como general e como cônsul, era distribuir as terras de propriedade do governo entre os ex-combatentes para que eles tivessem um meio digno de sustento. Mas o partido conservador ou aristocrata, dominado pela classe dos Senadores e dos ricos latifundiários, sempre se opôs às suas idéias revolucionárias. Não querendo perder seus privilégios e temendo uma ditadura de esquerda, os Senadores urdiram uma conspiração, chefiada por Cássio e Bruto, que cometeram o ato mais velhaco da história romana, apunhalando César em pleno Senado, em 15 de março de 44 a.C.

Na Baixa Idade Média, com o fim do Feudalismo (→ Medievalismo), algumas nações européias, especialmente a França, conseguiram dividir latifúndios entre camponeses, criando uma vasta camada de pequenos proprietários rurais. Mas, na Era Moderna, a luta entre os grandes fazendeiros e os trabalhadores do campo se acirrou com a doutrina de Karl Marx e o advento do Comunismo, que colocaram em evidência a importância do labor braçal, reivindicando os mesmos direitos entre os trabalhadores urbanos e rurais. No continente americano, as brigas mais violentas aconteceram no México e no Brasil. O índio camponês Emiliano Zapata (1879–1919), em 1910, encabeçou a primeira revolta popular do séc. XX, liderando um movimento revolucionário pela reforma agrária no México. Junto com Pancho Villa, depois de sublevar e conquistar todo o sul do país, chegou a tomar a Cidade do México, em 1915. Alguns anos depois, os dois foram assassinados a mando do governo, mas a herança de Zapata e Sancho Villa perdura até hoje: especialmente no estado de Chiapas, o mais pobre do México, várias comunidades indígenas sustentam um movimento rebelde, visando a posse de terras consideradas improdutivas. No Brasil, a exigência da reforma agrária começou com a campanha do Abolicionismo (→ Escravidão), liderada por republicanos radicais. Mas foi no governo de João Goulart que foi editado o Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, e começou o processo de desapropriação das terras às margens de rodovias, ferrovias e açudes públicos, visando assentar camponeses sem terras.

A reforma agrária brasileira, antes de começar, já criara sua primeira vítima: o Presidente foi deposto pelo golpe militar de 31 de março de 1964. Só depois do fim do regime militar, a partir de 1985, o movimento pela reforma agrária voltou a ser reestudado. Mais uma vez, porém, as forças conservadoras saíram vitoriosas: na Assembléia Nacional Constituinte (1987–1988), os proprietários rurais, congregados pela União Democrática Ruralista, conseguiram impedir a aprovação de Ementas que visavam a redistribuição da propriedade rural. Os Presidentes do Brasil, desde o advento da chamada Nova República até hoje, sucessivamente, realizaram alguns assentamentos, mas sem sucesso, pois esbarraram na má vontade política, na falta de infra-estruturas, na incompetência dos camponeses e no eterno egoísmo dos latifundiários. A questão dos conflitos de ocupação e uso do solo no Brasil se tornou de domínio internacional pelo bárbaro assassinato de Chico Mendes, seringueiro sindicalista, premiado pela ONU por denunciar a destruição da floresta amazônica: em 1988, sua morte, várias vezes anunciada, foi executada a tiro no quintal de sua casa em Xapuri (AC), por criminosos a mando do proprietário rural Darli Alves da Silva, que providenciou a fuga dos assassinos da cadeia púbica.